Amanhã, dia 11 de Fevereiro, é um dia importante. Importante porque, chamado a dar a sua opinião, o povo vai às urnas. E a sua decisão será soberana. Assistimos a uma campanha pouco esclarecedora em que se ouviu essencialmente falar de despenalização, crime, aborto livre, aborto a pedido (assim tipo discos pedidos) e da humilhação da mulher. No meu humilde ponto de vista, despenalizar e liberalizar não são exactamente a mesma coisa e no caso concreto do aborto muito menos. Quanto ao aborto livre e aborto a pedido já lá iremos. A humilhação da mulher é, quanto a mim, um dos pontos fundamentais. Num sistema que não consegue ou não quer julgar apitos, sacos, casas pias e outros que tais, estranhamente os processos envolvendo mulheres que interrompem voluntariamente a gravidez, rapidamente chegam à barra dos tribunais e se transformam em sentença. Uma mulher nessa condição, para além de todo o trauma que tenha passado, torna-se claramente no elo mais fraco. Faz-me lembrar aqueles putos rufias, no meu tempo de escola, não podendo bater nos grandes que lhes cascavam, batiam nos ainda mais fracos que eles e mais indefesos.
Nunca, nesta temporada de (des)informação, eu ouvi falar do verdadeiro crime, implícito na IVG, tal como ela acontece até agora no nosso país. A corja que pratica o desmancho no vão da escada, nas traseiras do quintal ou na garagem e que atira as mulheres para o hospital ou até para a morte, passa impune por todo este estrafego. Aliás, têm nos defensores do Não um enorme aliado. Que bom que era que o Não ganhasse… Mas como vai ganhar o Sim, há já quem deite contas à vida e comece a achar falta do dinheiro, sujo de sangue, que entrava livre de impostos. Pois é, os impostos. Na tentativa desesperada de ludibriar os mais desprevenidos até nos impostos se falou. As clínicas que futuramente fizerem IVG vão pagar impostos e, mais importante que isso, não vão por ninguém às portas da morte. Do passado recente e para finalizar este assunto, houve duas coisas que me pareceram absurdas e, como tal, não posso deixar passar em claro.
A deputada do PS Matilde de Sousa Franco fez campanha pelo Não, ao contrário daquela que era a corrente do partido. Inequivocamente louvável até porque, sem sombra de dúvida, esta é uma matéria de consciência e a consciência de cada um de nós não tem cor política. Mas não achei graça nenhuma quando ouvi a senhora dizer que em vez de se promover o aborto deveriam ser adoptadas medidas que promovessem a natalidade. Até aqui tudo estaria bem se o modelo escolhido para ilustrar esta “proposta” não fosse o alemão. Dizia, muito convicta:
“O governo alemão dá 25 000 € por cada nascimento”. Será que a senhora sabe que está em Portugal? O Estado paga de abono cerca de 30 € por criança e assume (e eu acredito) que isso é um grande investimento para o erário público. Agora imagine-se os 25 000 €… Atoardas como esta só vêm mostrar que algumas pessoas andaram nestes tempos de antena a reboque, para poderem aparecer e sem saber, ao certo, o que lá andavam a fazer.
Dizer que a nova lei que amanhã se referenda vem aumentar o número de abortos é, francamente, uma aldrabice deslavada. Primeiro, não existem números oficiais de abortos em Portugal porque os que se têm feito ou são feitos em Espanha ou no galinheiro. Os primeiros são declarados oficialmente, no país onde são realizados e os outros, já se sabe, não existem oficialmente. Segundo porque esse aumento o que vai reflectir, na realidade, é o número real de casos no nosso país. O número vai aumentar. Pois vai. Porque até hoje os números eram segredo e vergonha. A partir de amanhã deixam de ser segredo e as clínicas, públicas ou privadas, espanholas ou portuguesas, serão obrigadas a divulgá-los. E quando surgirem os primeiros resultados, não digam que aqueles são os números dos abortos que agora se fazem em Portugal. Digam antes:
“ Este é o número de IVG que sempre se fizeram em Portugal! A diferença é que antes não sabíamos….”