Aquele inverno...
Fui convidado para um almoço de confraternização de antigos militares que serviram em Angola. Fui pelos laços familiares que me unem a um desses Homens. E porque sempre tive alguma curiosidade em saber o que se passa num evento assim. O que vi, não tendo nada de surreal nem de extraordinário, marcou-me e mudou a minha maneira de ver as coisas.
Do que se ouve dizer sobre quem esteve no Ultramar, ressalta quase sempre o horror e o trauma que se entranhou na pele e nas vidas desses militares. São, muitas vezes, relatos na primeira pessoa ou de quem acompanhou de muito perto a guerra colonial. Vi naquela sala muitos rostos, velhos do tempo mas serenos de saber. Serenos demais para mim. Olhava aqueles rostos sorridentes e perguntava-me que sofrimento esconderiam. Muitos de nós éramos novos de mais para saber o que sofreram estes meninos, acabados de ser Homens e mandados para uma guerra que não escolheram. Nenhuma guerra faz sentido e esta também não fez. Deixou atrás de si um rasto de destruição material e humana. As famílias que os viram partir morreram um pouco e continuaram a morrer quando os viram regressar transtornados. Morrendo um pouco cada dia. E como deve doer essa morte que acontece em vida, que se prolonga no tempo, na agonia dos dias que não passam e teimam em trazer à memória traços tristes de um quadro que não se consegue esquecer.
Estavam reunidas três gerações ao redor das mesas. A melhor homenagem que lhes pode ser prestada é esta. A família toda reunida como forma de agradecimento. É pouco, dirão alguns. Concordo. Mas se todos fizerem a sua parte, se pelo menos a sua principal fortaleza e refúgio for fazendo a sua parte, eles podem sentir que, ainda que obrigados, não foram em vão.
Detive-me por momentos a observar um grupo que olhava um álbum de fotografias e desfiava histórias, vividas no calor da batalha e tantas vezes repetidas naqueles encontros. Contadas com o entusiasmo com que foram sentidas. Como se fossem contadas pela primeira vez. Veio-me á cabeça vezes sem conta aquela canção dos Delfins.
“Para eles aquele Inverno, será sempre aquele inferno…”
Foi uma grande lição de vida a que aprendi naquele momento. Ver rostos que penaram sabe Deus quanto a sorrir, a olhar de frente para vida, num permanente desafio, mostrou-me quão mesquinho é o sentimento de impotência que às vezes me assola e me faz querer desistir disto ou daquilo. Se calhar o problema é esse. Desistimos com muita facilidade, não damos luta.
Este é bastante violento, pelo discurso do único responsável pelas mortes. Ouçam o discurso com atenção. A mim apetecia-me gritar-lhe "filho da...". Mas por respeito aos mortos e porque alguém tem que ter vergonha, não o faço! http://www.youtube.com/watch?v=_vurLtLNefg
Ecos do 25 de Abril, a ocupação dos TLP. Sopraram, enfim, os ventos da mudança. http://www.youtube.com/watch?v=d4mSP--gyYw
O som está um pouco baixo ao início mas creio que toda a gente reconhece o HINO. Até arrepia... http://www.youtube.com/watch?v=3wAAEOsphso
A homenagem. Merecida. http://www.youtube.com/watch?v=MFBX-7ajTgM
Imagem: La guernica, Pablo Picasso